“Gustavo, eu queria escrever um post para o seu blog…”
Fala Gustavo! Cara, eu estava pensando em escrever um post para o seu blog. Um breve ensaio sobre invisibilidade subjetiva. Sei dos garis da USP e da tese sobre invisibilidade social que virou livro, mas queria mesmo é falar da cegueira que independe de profissão ou nível econômico, aquela que fazemos até conosco mesmo, sem saber. Começaria com algo assim:
“Eu pensava que era 90%. Mas não, 99% de nossa vida é imaginada…”
Esta é a idéia central. A ênfase nos 99% serve para deixar claro a predominância da imaginação sobre o real. Continuaria mais ou menos assim:
“99% se passa em nossa mente. Uma vida de fantasias, projetos, mundos que ainda não são, what ifs, possibilidades que ainda não existem para outras pessoas. 99% de nossos mundos mais vivos – mais nítidos, reais e palpáveis – não são compartilhados. 99% do que mais importa pra nós é algo tão sutil que passa desapercebido por outros seres. Mundos e personagens que são mais imaginados do que vividos…”
Aí eu estava pensando em concluir dizendo que vive-se sempre pela imaginação, já que o real-em-si é um mito. Vida vivida é vida imaginada: quanto mais bem imaginada, mais bem vivida. Indicaria o filme Finding Neverland ou o sensacional Big Fish. Você já viu?
Acho que antes eu falaria da solidão. Não da solidão positiva, outro lado da convivência social, que acontece quando o ser tem uma longa experiência com a alteridade. Eu falaria da solidão de carregar estes mundos todos dentro de nós e não saber o que fazer com eles, não conseguir compartilhá-los. Diria que não é tanto um problema de comunicação, no sentido de se fazer entender. É sobre ser visto, coisa sensorial, de percepção mesmo. É sobre arriscar uma relação mais profunda conosco e com os outros. Sem querer, ignoramos e nos cegamos para nossas próprias qualidades, não é mesmo?
Essa solidão negativa que, sem contraste, não chega nem ser uma solidão. Um autismo quase… Sabe? Falaria destes mil seres que somos e ninguém vê… Porque ninguém vê, lentamente deixamos de (ou não mais conseguimos) ser tais possibilidades, tais seres, esses Gustavos, Paulas, Marcias, Livias, Fernandos, que não existem por aí mas que ficam pedindo por atualização, pedindo por encarnação.
Acho que escreveria algo assim (esperando criar uma identificação com quem estiver lendo):
“As pessoas vêem 1% do que sou. Vivo neste abismo de não poder saber se sou isso mesmo que escorre aqui dentro (mas que ninguém vê) ou se sou exatamente aquilo que enxergam em mim. Desconfio que com todos acontece o mesmo. Posso senti-los! Antes eu hesitava, agora eu vejo o medo nas pessoas. Elas sabem que não são vistas e ficam medíocres por não serem vistas naquilo que elas tem de poderoso e vital. Nós passamos o dia com mil pessoas, chegamos em casa e vemos um montão de possíveis mundos que sentimos já habitar mas que não foram adentrados sequer uma vez no dia inteiro. 99% de nossa mente nunca saiu de casa!“
Eu queria sussurrar isso no ouvido das pessoas, sabe, Gustavo?
“Eu sei que você sonha com os seus outros-eus que nem mesmo você conhece – pois precisa de outros pra conhecê-los. Você precisa que outros olhem pra estes eus também… O que acaba acontecendo é que você fecha tudo isso e empurra pra amanhã e continua com esta máscara enferrujada que você já está cansado de olhar, mas, what the hell, é só o que todo mundo consegue ver em você! Depois de pouco tempo isso também será tudo o que você conseguirá ver e viver.”
Não sei se eu finalizaria de forma otimista:
“E ficamos neste esforço de imaginar o vivido, pois o vivido é sempre imaginado e sonhado em conjunto. Toda fantasia boa é fantasia compartilhada, na qual pelo menos dois seres vêem o inexistente e sorriem neste jogo de criação.”
Ou se eu tomaria a idéia de solidão negativa e diria que estes 99% estão para sempre terminantemente perdidos:
“E ficamos neste esforço de imaginar aquilo que não somos e nunca seremos, esperando que um dia a realidade se torne a imagem que dela fazemos…”
Meu medo é que estas idéias nunca saiam de minha mente, daí meu desespero em colocar tudo em htmls ou bancos de dados soltos na net. Minha pergunta é: “Tem alguém aí fora?”. Eu compartilho o mesmo solo com alguém? Ou: “Tem alguém aqui dentro acompanhando e passando por isso também?”.
Se eu enviar isso pra alguém, temo que ninguém responda. Se publicar na internet, quem comentará? Tenho medo que todas essas idéias se confirmem da pior maneira possível.
Sabe, Gustavo, eu queria escrever um post assim para seu blog… Pensei no título “O quanto de nós realmente existe?”. O que acha? Para a imagem, achei essa acima. Gostei do título: “Dreamkeeper“. Veja a descrição do artista Louis-Philippe Loncke:
Bruce, character I invented for some of my paintings, is here oppressed by a the world symbolised by the dimensions of the canvas. He’s protecting a rose that symbolises his dreams. The rose has enough space to grow and as time goes by, Bruce will strive to protect it whatever happens.
Por favor, aguardo seu retorno.
Um abraço!
Eu li o seu txt ontem e hoje quando voltava da aula tava pensando nisso. Será que não é o contrário? Será que não é 99% de vida e 1% de sonho? Não seríamos nós sendo nós em outros momentos, em outras realidade, em todos os momentos, o “real”?
O que é real? O que é sonhar? E o que é estar acordado? Há tantas versões de nós e a gente pode mudar tanto entre o nascer e o pôr do sol que certas vezes chegamos ao fim do dia e temos a impressão que semanas, meses se passaram.
“Life is just a dream you know
That’s never ending” – Cowboy Bebop – Blue
Opa! Acabo de ler o texto e… eu poderia, muito bem, assinar embaixo dele, afinal, também compartilho dessas idéias!
esse texto foi o melhor do dia, ora de durmir.. um abç virtual a todos, simulacros….
ora!!!!
Gustavo: andei muito ocupada, acabei entrando aqui pra ler “Conselhos para os Casais”, porque fiquei curiosa, e pronto! Dô de cara com esse texto sobre “invisibilidade subjetiva”!
Você precisa ser assim, sempre tão instigante?
Se você soubesse o que andou se passando na minha cabeça nos últimos dias… Acho que poderíamos escrever um compêndio sobre esse assunto!
Bem, vou metabolizar tudo o que senti, tentar organizar, em em breve te mando um comentário de verdade, porque agora não vai dar pra não trocar idéia. Calar seria exatamente ficar “subjetivamente invisível”, e 99% tá sendo demais pra mim, não agüento mais!
Beijo!
Analú
A primeira coisa que me vem à mente: nossa alma é imensa, e estamos presos no corpo carnal, tendo que nos “virar”com toda essa limitação de tempo e espaço. Minha mente voa, viaja, se relaciona, ama, cria, enquanto meu corpo e o tempo me prendem a um lugar, a um momento. Tenho que optar, escolher prioridades, e tentar esquecer ou deixar pra depois o que não dá pra fazer, por um problema puramente técnico: estou preso aqui, nesse corpo, e não há tempo hábil pra ser e fazer tudo o que quero. Envelhecemos por fora e por dentro nossa riqueza se acumula, sem que tenhamos oportunidade de expressá-la como queríamos. Creio ser esse o motivo de muitos idosos dizerem que por dentro se sentem jovens, que a mente não acompanha o envelhecimento do corpo. Porque nosso corpo nunca consegue produzir tudo o que nossa mente idealiza.
A segunda coisa: regras. Como se não bastasse o corpo físico, inventamos mais algumas amarras. Seria impossível computar quantas coisas deixamos de fazer simplesmente porque há regras. “Pessoas assim devem se comportar assim”, e isso vai matando pedaços de nós todos os dias. Talvez não matando, mas sedando por tempo indeterminado. Até que um dia, quando percebemos que o tempo está passando, nos assustamos e começamos a aprender a dizer não a essas regras que não fomos nós que criamos. Ou envelhecemos obedientes e acabamos adoecendo. De preferência doenças que nos permitam colocar nossa “loucura” pra fora. Ficamos esclerosados e então podemos fugir de casa e subir no telhado, como fazia a avó de uma amiga minha. E falar o que pensamos sem filtrar, e namorar três pessoas ao mesmo tempo… e então sermos chamados de gagás.
Terceira coisa: por mais inteiros que sejamos, por mais que nos amemos, por maior que seja nossa auto-estima, é na relação com os outros que nos realizamos. Criamos, mas queremos que nossa obra seja vista, mesmo que seja pra ser criticada. Pensamos, mas queremos trocar idéias, senão não tem graça. Emitimos opiniões, mas se ninguém concordar ou discordar parece que nossa opinião não serviu pra nada. Não fosse assim, não teríamos tanta empatia, não compreenderíamos com tanta clareza a amizade entre o personagem de Tom Hanks, em “O Náufrago” com Wilson (uma bola de futebol americano). Precisamos interagir, não tem jeito.
Só que… para interagir, precisamos que o outro esteja na mesma sintonia. Isso é imprescindível pra que ele nos veja, nos perceba, e vice-versa. E, infelizmente, encontrar quem esteja na mesma sintonia que a nossa não é tão fácil assim, pelo menos na minha experiência pessoal. Por isso é tão importante encontrarmos a “nossa turma”. Para que nos sintamos vivos de verdade. Para que sejamos compreendidos e, pelo menos naquele pouco que conseguimos expressar, nos sintamos realizados.
Durante o último mês fiquei lembrando de uma amizade gostosa que tive na adolescência. Minhas recordações fizeram meu coração se encher de calor, um pedacinho de mim renasceu, senti uma vibração que há um bom tempo não sentia ao pensar em alguém. Fui simples, pensei: por que não? E liguei pra pessoa. A “sintonia” havia se perdido, e percebi de imediato que a coisa não fluiria como imaginei. Conversamos, mas o tom ficou meio formal. Uma infinidade de palavras doces percorreram a minha mente, mas eu não as expressei, porque achei que não seria compreendida. A conversa acabou ficando num nível superficial.
O que me pergunto é: será que se eu tivesse me expressado como imaginara a princípio, completamente livre de qualquer preconceito, a receptividade da pessoa seria mais calorosa? O que fez com que eu me “segurasse”? Provavelmente o medo da rejeição. Mas, será que a rejeição seria tão pior do que a formalidade? Será que não vivemos relacionamentos mais intensos simplesmente porque temos medo de ser rejeitados? Será que não seria melhor algumas dúzias de rejeições, mas vários acertos?
Essa inconsciência do que se passa na cabeça da outra pessoa acaba comigo, sabia? Fico pensando em quantas vezes não convidei alguém muito legal pra tomar um café e bater um papo, porque simplesmente achei que a pessoa não aceitaria… Em quantas vezes não convidei alguém pra sair comigo porque achei que “não pegaria bem”. Em quantas vezes não estiquei uma conversa gostosa porque tive medo de estar “roubando” o precioso tempo da pessoa. Em quantas vezes tive vontade de ser mais íntima e me segurei. Em quantas vezes admirei profundamente alguém mais jovem, mas tive medo de que a pessoa me rejeitasse por ser mais velha… Caramba, se num décimo disso tudo eu tivesse me dado bem, teria vivido muito mais do que vivi! Esse “pensar demais” é outra armadilha. Talvez se agíssemos sem pensar tanto, nossa porcentagem de realização aumentasse bem. E nossa solidão diminuísse.
Só mais um comentário: “Em Busca da Terra do Nunca” foi um filme que assisti 3 vezes, de tanto que gostei. Me identifiquei demais com o personagem do Johnny Deep. Mas, se aquele relacionamento tivesse se realizado também na carne, seria ainda mais gostoso…
Bem, como sempre, me estendi demais. Mas é claro que vou parar porque estou me “segurando” pra não extrapolar. “Será que o Gustavo vai me achar uma chata?”rsrsrs…
Beijo!
Analú
Querida Analú, é um prazer ler seus comentários. Quando for assim, você pode também escrever um post no seu blog e linkar pra esse aqui. Dessa forma, seu blog se enriquece e aparece automaticamente um comentário aqui com o link para seu post e o trecho no qual você comenta o meu. Entendeu? O sistema faz isso automaticamene, basta você linkar exatamente a URL do post (não a home do blog).
“erá que se eu tivesse me expressado como imaginara a princípio, completamente livre de qualquer preconceito, a receptividade da pessoa seria mais calorosa?”
SIM! Nossa contração constrói relações com a contração do outro. Estamos uns dentro dos outros. Foi o que eu tentei explicar num post sobre “como esquecer um homem”, se bem me lembro. Podemos agir com a CERTEZA de que o outro quer o que nós queremos: abertura, felicidade, prazer.
Sempre que brotar em você essa possibilidade, ofereça ao outro sem expectativas. Se ele topar, garanto que será inesquecível.
Abração!
Gustavo:
Eu não falo que você é terrível?
Sabe esse conselho que você me deu aí em cima?
“Podemos agir com a CERTEZA de que o outro quer o que nós queremos: abertura, felicidade, prazer.
Sempre que brotar em você essa possibilidade, ofereça ao outro sem expectativas. Se ele topar, garanto que será inesquecível.”
Repensei, abordei a mesma pessoa de outra forma, e funcionou! Já foi inesquecível!
Obrigada! Fico te devendo essa!
Beijo!
Analú
hahaha… sério? demais!
nem eu acreditava nisso que disse! obrigado por me ensinar… hahahaha
abs!
Foi mágico, garoto!
Beijo!
[…] quem já leu meus posts metalingüísticos, aviso que esse não é um deles. Homem perfeito existe ou é a personagem dos sonhos de toda […]
Este post.. foi o primeiro que li em seu blogue. 🙂
FOI D …O POST E OS COMENTÁRIOS……OBRIGADO A TODOS..
é por conta desses mistérios que o ser humano é extraordinário!
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