Microrelacionamento: o detalhe
(continuação do post “Macrorelacionamento: o mito“)
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instantebasta um instante
e você tem amor bastante
Você já viveu uma noite tão longa que no dia seguinte curiosamente apenas um momento é reencenado ininterruptamente em sua mente? Como se a noite toda estivesse ali, inteira naqueles segundos? Quando tudo o que conseguimos lembrar é aquele sorriso dela após um bom sexo ou aquele gesto dele antes do primeiro beijo da noite?
Estava agora ouvindo Tori Amos. Sua música é uma tapeçaria de detalhes. Como uma boa noite de amor, ela nunca se completa, pois se completa a cada momento. É uma sensação incomparável: não ter de ir a lugar algum, simplesmente ficar ali, respirar ali. A introdução já basta; não há necessidade de se chegar ao refrão, que quando chega não promete nada além dele. A música, sempre inteira, jamais se totaliza.
Nós não percebemos que nunca de fato existiu uma história de amor. Olhe para suas relações passadas e tente lembrá-las com nitidez… O que há é o detalhe, somente ele, no limite do imperceptível, quase não existindo, antes mesmo do real – o detalhe. Ele nunca se mostra totalmente e não conseguimos apontá-lo ou delimitá-lo com certeza. Para os leitores de Borges, uma imagem: coloque dois detalhes lado a lado; se você começar a prestar atenção em um, nunca mais conseguirá olhar para o outro, sequer saberá qual deles você notou primeiro ou que eram originalmente dois.
Quando perguntamos “O que mesmo que eu amo nela?”, muitas vezes tudo o que encontramos ao final de uma longa decupagem é um pescoço, um colo ou uma frase. Não só o pescoço, mas aquele ângulo específico pelo qual o vejo. Não só a frase, mas a frase que é nela mesmo o princípio e o horizonte de meus sentimentos. Às vezes parece que toda a relação se sustenta sobre a asa de uma borboleta: “eu a amo pois todo dia às 7h da manhã ela levanta nua e abre uma fresta da cortina, e então eu ainda sonolento não resisto ao encanto daquela luz específica batendo sobre sua pele… ainda se eu estivesse de pé, teria alguma chance… porém eu a vejo por baixo, esticado na cama”. É claro que as causas e as razões do amor não são a pele sob a luz, mas, sem aquela pele sob aquela luz sob aquele ângulo, não há razões nem causas para o amor!
Lembro-me do psicólogo do filme Gênio Indomável contando sobre sua mulher e sobre como ele adorava cada detalhe dela. Ou Tomas, em A Insustentável Leveza do Ser, que se apaixona por aquela mulher doente dormindo em seu apartamento. Pode ser o cabelo dela, e como ele se movimenta quando ela olha para você. Pode ser aquele sorriso específico que ele dá nos raros momentos em que fica envergonhado. Pode ser o modo como ela mexe na comida quando não mais está com fome. Ou seu jeito de se vestir, ou as idéias loucas dele sobre os filmes do Cronenberg, ou a voz dela quando está gripada, ou o modo como ela tira o shampoo do olho durante o banho.
Ainda que tudo esteja corrompido em sua relação, há sempre o detalhe. Vocês podem não mais sustentar aquela concordância gostosa em filosofia e religião, não mais trocar aquele carinho, vocês podem até mesmo estar em uma fase de brigas. Nada está perdido quando há pelo menos um detalhe.
Assim como o casal supremo, Shakti e Shiva, não consegue se expressar senão por meio de infinitos casais mortais, nosso amor ficaria preso e estéril se não explodisse em detalhes – os mais específicos, o mais particulares e idiossincráticos detalhes.
É no detalhe, e não só no mito, que percebemos a impessoalidade das relações autênticas, a impessoalidade do próprio amor. Seja no mito subjacente (na sua parceira que é Lóri ou Cinderela), seja no detalhe que nos arrebata (aquela curva da mão, a pele dela no inverno), nunca encontramos algo pessoal, algo concreto que nos diferencie, que consolide nossa identidade, nossa individualidade, nossa particularidade. O detalhe, inseparável do mito, é sempre universal, aberto para além de qualquer identidade. Ele tangencia e transpassa as pessoas, os casais, os locais, as histórias, mas nunca se fixa a elas. O detalhe nos ensina o amor sem fixações, o amor que não ama uma pessoa, o amor que sequer vem de nós. O detalhe nos ensina a amar o além do outro e a libertá-lo de si mesmo. Esse amor não vai até o outro tampouco: ele faz o outro brotar de dentro dele.
Aquele pescoço, aquele jeito, aquela virada, aquele som naquela tarde, “basta um instante”… O mito não é nada sem o detalhe. É o detalhe que constitui o mito, que o acende, que o alimenta. É somente o detalhe que transcende a si mesmo ao encarnar, a um só tempo, todo o sutil enredo mitológico e toda a realidade cotidiana do casal.
Texto Lindo..
Lido a tempo..
E não comentado antes..
(tinha um passado aqui)
No momento que vivo isso me marcou: “Ainda que tudo esteja corrompido em sua relação, há sempre o detalhe. Vocês podem não mais sustentar aquela concordância gostosa em filosofia e religião, não mais trocar aquele carinho, vocês podem até mesmo estar em uma fase de brigas. Nada está perdido quando há pelo menos um detalhe.”
Vc deve ter noção.. da força que o angulo de olhos sorrindo, ‘daquele jeito’ fazem no coração.
Muitas vezes me questionei intimamente, quase inconscientemente, do sentimento que nutria por ele…e aí me lembrava de algum detalhe, como tu falou, e sentia ser incapaz naquele momento de viver sem esse “detalhe”…
que coisa, eu não entendia. Até agora…
Texto incrível.
o nome então é detalhe…
tentei tanto explicar isso pro meu namorado ontem…
chegamos a expressão “terceira pessoa”…
eu disse que adoro vê-lo fazendo qualquer coisa, observá-lo protagonizar sem que ele me perceba… é uma das coisas que mais me encanta nele…
o nome disso é detalhe…
obrigada! =)
Gosto de escrever aqui, já virou um costume meu procurar por coisas interessantes para ler na net e este site me deixa aliviada, pois é muito bom encontrar pessoas com sensibilidade, que está atento aos detalhes, alem do mais fez me lembrar da music do rei: “Detalhes tão pequenos de nós dois,
São coisas muito grandes, pra esquecer…”kkkk
Gosto muito de prestar atenção nos detalhes e seguir Tb meu sexto sentido e esse lance de “libertá-lo” é o máximo…
Fica a resposta oq gosto em cada pessoa q me relaciono (amigos, namorado, paquera, marido, irmãos, primos, tios, cachorro, papagaio…): seu senso de humor, qdo me mima e percebo que teve cuidado comigo, como joga seu cabelo, o sorriso largo com lindos dentes grandes, gdo fica tímido, qdo abana o rabo querendo apenas um carinho meu, palavras de incentivo, qdo dorme de conchinha, parceria, cumplicidade, aquele olhar sincero….
Belíssimo texto!
De todos os detalhes quero registrar a gargalhada dele quando zomba de mim por algo bobo (só pra me irritar) e o abraço/beijo apaixonado quando essa gargalhada me irrita (só pra me derreter…rs*).
Ao chegar e um breve sorriso a sua espera, seguido de lindos movimentos, combinados com a canção que te faz lembrar momentos unicos nunca jamais vividos por outros, jestos que fazem aflorar o ciumes em pequenas formas e poucos movimentos, raiva e furia descontrolada seguido de um sorriso enferrujado para disfarçar o encomodo momentanio, logo esquecido por um breve beijo roubado…
um amigo de um amigo meu que conheci a pouco tempo me disse q sentia isso por uma garota…rsss
Será que eu fui o único homem que li!?
Putz.
Muito bom o texto.
Me fez pensar bastante.
Daqui a pouco vou dormir..aposto que vou ficar pensando…
Valeu
=]
Tô escutando essa Tori Amos também.
Texto lindo e rico em significado.
Assim como tudo na vida,são esses pequenos e singelos detalhes que fazem uma total diferença na forma como encaramos ou como atuamos sobre algo.
Não há enigmas…existem apenas detalhes que na maioria das vezes são simplesmente vistos,mas nunca observados.
Detalhes…realmente faz toda a diferença e como se estivessemos brigando mas o olhar pedisse outra coisa..os beijos que mesmo sendo diarios tem todo um significado…as batidas do coração quando o vejo…a falta que me faz em questão de segundo..mesmos com a rotina da vida são pequenos detalhes que nos fazem nosso relacionamento eterno enquanto dure…
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Professor de TaKeTiNa
Colunista da revista Vida Simples
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