Sobre homens indecisos (parte 2)

por Gustavo Gitti 30 agosto 2007 13 comentários

Cenário 2:

Ela disse que estava cansada e não queria nada de especial no dia dos namorados. Você acreditou e não a levou naquele restaurante indiano que ela tanto queria, conforme você já tinha planejado. Uma semana depois, você descobre que ela ficou extremamente chateada por você não ter preparado nada naquela noite.

Ela disse que queria passar o fim de semana em casa. Você cancelou aquele churrasco, ficou trabalhando e no fim do domingo ela começa a brigar com você: “A gente não faz nada junto! A gente não sai mais!”. Você responde revoltado: “Você mesmo quis ficar em casa! Você é louca!”.

Ela sugere acabar o namoro. Você entra na discussão e vocês passam alguns dias tentando aparar arestas e decidir em conjunto o que fazer. Como você não sabe o que ela quer, sente-se confortável em cima do muro (ainda que seja dolorido). Ela espera de você uma postura ativa. Você fica esperando dela uma decisão. Resumo: o namoro acaba, sendo que os dois na verdade queriam mesmo é ficar juntos.

Saída:

Uma péssima metáfora para uma relação homem-mulher é a da democracia. Um homem não deve abrir votação para decidir suas ações. É claro que devemos negociar e chegar a consensos em muitas questões em um relacionamento, mas não pense que isso seja a regra. Um dos maiores prazeres de uma mulher é relaxar na confiança da condução masculina. E isso não se consegue “ouvindo todas as partes”!

No entanto, a decisão também não surge de um processo ditatorial. A sensibilidade do homem guia sua ação. Você adivinha, prevê, planeja, age de dentro de sua parceira. Responde aquela pergunta que ela nunca fez, ou melhor, que ela nunca conseguiria fazer. E então, quando ela pensava que você nada faria, você a leva para o restaurante indiano. Sem abaixar a cabeça para as negatividades dela, faz com que o churrasco seja um programa delicioso para ambos. Quando ela propõe acabar, encara isso como um teste e passa, na prova e por cima de tudo. Seu desejo é firme e você confia que, se ela está com você, ela guarda exatamente o mesmo desejo.

Cenário 3:

Ela vê problemas em tudo. Você faz qualquer coisa e ela grita, esperneia, bate portas, ataca e o provoca de mil maneiras. Você não entende a lógica que está por trás daquelas reações. Para você, sempre esteve tudo bem, não é mesmo? Vocês conversam, ela se acalma, pede desculpas. No dia seguinte, tudo de novo: você faz algo que a perturba e recebe uma lista de coisas que a irritam, que você sempre faz. A lista inclui todas as suas negatividades, seus obstáculos. Ela faz questão de lê-la em voz alta para seus amigos e familiares. Você se sente humilhado e deliberadamente continua fazendo coisas que a irritam. O ciclo segue.

Saída:

Confusão e impotência. Eis duas causas e também efeitos da indecisão masculina. Vejamos:

Confusão: Sua mente tem pouca estabilidade e você se perde facilmente em meio às oscilações naturais do feminino. Não apenas com mulheres, mas com qualquer fenômeno. Você se esconde em devaneios, reage a impulsos, é tragado por situações complicadas. Quando a vida pede uma resposta rápida, você sente que precisa de um tempo para a poeira baixar. Sua indecisão não só decorre desse estado disperso como termina por deixar uma sensação ainda mais intensa de confusão.

Impotência: Você dá muita solidez ao feminino e sente-se incapaz de mudá-lo. Seu trabalho, as pessoas, seus hábitos, seu mundo, a raiva no rosto de sua mulher… Tudo parece ser assim como se apresenta a você: concreto e pré-definido. Você sente-se incapaz de provocar um sorriso em sua parceira pois acredita demasiadamente que ela manifesta uma essência independente de sua percepção. Leva tudo muito a sério. A sensação de solidez ao nosso redor traz a impotência. Você não vê meios de alterar a cara do mundo. Para piorar, diante de sua indecisão, sua mulher incorpora o masculino, dá ordens e decide por você. Sua sensação de impotência aumenta, claro.

O antídoto para a confusão é a meditação, um método eficaz para conseguir criar uma base além de qualquer oscilação. Ancorado nessa base transcendental, você sente-se livre para adentrar qualquer âmbito da vida sem perder a estabilidade. A atenção plena cultivada pela prática meditativa não é senão a origem da mente que decide sem hesitar, sem vacilar.

O antídoto da impotência é a visão contemplativa, um meio de descascar a realidade e perceber que o mundo exterior é reflexo de seus olhos. Se você sorri, o outro responde sorrindo. Você é capaz de alterar o outro pois você é inseparável dele. Tal mágica só é possível porque a cognição é mais um processo ativo de construção de significados do que um recebimento passivo de informações pré-existentes. Parece complicado, mas olhe a imagem acima. Neo não acredita na substancialidade das balas e por isso consegue detê-las. Ele tem poder sobre elas pois são balas de sonho, atiradas por seres de sonho em um mundo radicalmente onírico, igualzinho ao nosso.

Combinadas, visão e meditação levam à ação desimpedida no mundo, ou seja, à decisão. Sem a sensação de impotência, agora é possível olhar os monstros de frente e transformá-los de dentro para fora. Você supera a confusão e, em vez de se perder, passa a se deliciar em meio às flutuações do feminino. Onde você se afogava, agora você surfa. O que era veneno agora é seu alimento. Suas decisões passam a ser leves e naturais pois expressam o modo com que você brinca e joga com o sonho da vida.

Nota: escrevi esse texto originalmente para mim. “Você” se refere a mim mesmo, como faz Ann no filme Minha Vida Sem Mim. Mas se quiser pensar que “você” diz respeito a você, sinta-se à vontade.

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Para transformar nossas relações

Há algum tempo parei de escrever no Não2Não1 e comecei a agir de modo mais coletivo, visando transformações mais efetivas e mais a longo prazo. Para aprofundar nosso desenvolvimento em qualquer âmbito da vida (corpo, mente, relacionamentos, trabalho...), abrimos um espaço que oferece artigos de visão, práticas e treinamentos sugeridos, encontros presenciais e um fórum online com conversas diárias. Você está convidado.



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13 comentários »

  • Diego

    Olá, Gustavo. É o meu primeiro comentário aqui, afinal encontrei o seu site através do site do Dr. Love ontem.

    A qualidade do seus textos me impressiona, os diversos paralelos com meditação e outras técnicas são muito bem aplicados e, todo o tipo de conteúdo é muito bacana, afinal não se acha esse tipo de literatura com o nível de clareza que vemos aqui com facilidade na web.

    Parabéns pelo projeto, obrigado pelas dicas (por abrir os olhos de alguem que estava meio perdido) e torço para que siga em frente, afinal voltarei sempre aqui.

    Abraços.

  • Priscila

    Oi Gu,
    Fico feliz de vc ter sempre ótimos temas, me impressiona seu poder de compreensão sobre assuntos cujo o foco seja “relacionamento”.

    Agora que já conheci o blog, volto quando tiver tempo.

    Beijos
    Pri

  • Gustavo Gitti

    Oi Pri, obrigado pelo comentário! Se cuida, viu? Abração!!! Gu.

    Fala Diego!

    Obrigado pelo apoio, cara! No início, o público aqui era basicamente feminino e eu tinha dúvidas se minha linguagem ia funcionar para homens.

    Hoje estou recebendo muita gente do Papo de Homem e parece que o pessoal tem gostado.

    Estou entrando agora para conhecer seu blog.

    Abração!!!!!

  • myla

    bom, sobre Matrix acho q posso falar um pouquinho pq foi parte da minha dissertação. desnecessário dizer a tamanha riqueza do filme e as várias camadas a q ele se abre. isso fica claro a cada cena e, por isso mesmo, cada um de nós colhe ali o q mais lhe interessa.

    acho q tb é desnecessário dizer como seu texto é pertinente, simples e profundo ao mesmo tempo. acredito q a melhor visão é mesmo essa: é só a gente examinar um pouco a nossa própria experiência e a das pessoas à nossa volta, sobre relacionamentos.

    mas fiquei pensando em como um homem, honestamente perdido – naquela situação d se sentir impotente, emasculado, sem conseguir mais negar tal fato, nem pra si mesmo, lê aqui seu texto – e me lembrei d uma das minhas passagens favoritas d matrix:

    morpheus: “i’m trying to free your mind, Neo, but i can only show you the door, you’re the one that has to walk through it.”

    e em outra cena: “Neo, sooner or later you’re going to realize, just as i did, that there’s a difference between knowing the path and walking the path.” – acho q é aqui q está o nosso santo graal: o q cada um escolhe como verdade pra si e tenta realizá-lo nesse viver.

    um homem perdido lê seu texto, entende, concorda com suas palavras mas, mesmo assim, por se sentir tão impotente e desvalorizado, por não estar alinhado na busca d seu graal, provavelmente fica sem saber em como reorientar seu lado masculino, em como torná-lo ativo, resgatar a liberdade d suas ações e escolhas, em se fazer presente. afinal d contas, “knowing the path” é bem diferente de “walking…”.

    numa situação semelhante com o feminino, o q fazemos é imediatamente nos recolher, nos acarinhar bastante, nos paparicar, nos dar mil mimos em um revigorante reencontro com filmes, músicas, livros, amigos, sensações, sentimentos, etc, preferidos.

    e com o masculino? seria legal se vc aproveitasse esse tema e sugerisse algumas formas do masculino, embora impotente – que seria quase como um peixe sem ter água pra nadar – possa vir a resgatar seu centro, levando em consideração essa vida urbana maluca q a gente vive.
    brigada, Gu!

  • Myrion

    Primeira vez no seu blog, cheguei aqui através das Fridas. Muito profundo seu conhecimento sobre a alma feminina. Realmente impressionante.
    beijos

  • Gustavo Gitti

    Olá, Myrion,

    O blog das Fridas é bem bom!

    Não acho que meu “conhecimento” seja “profundo” e sequer teria como verificar isso (não sou mulher… rs…), mas procuro escrever aqui o que realmente sinto, como um modo de compartilhar isso com outros homens e aproveitar para testar essas idéias todas passando pelo crivo feminino (que sempre é muito cruel!).

    O blog é também uma forma (estranha, confesso) de homenagear as mulheres e de (re)conquistar a minha atual… 😉

    Abração!

  • Myrion

    Bem, chamar de profundo foi apenas um jeito resumido de dizer. Mas é bem interessante. E acho q vc acerta em muitas coisas na sua maneira de ver, coisa q poucos homens sabem fazer.
    Agora fica meu protesto: o crivo feminino não é SEMPRE cruel! Digamos q seja exigente… rsrs..
    beijos

  • mark

    Ótimo texto, Gustavo! Bem verossimil hahahah.

    E Minha Vida Sem Mim é excelente.

    ;¬]

  • thiago

    Olá Gustavo! Sou leitor das colunas do Dr love no Papo de Homem e cheguei até aqui. Muito massa sua abordagem. Estou saindo de situações bem parecidas com as que você explanou neste artigo mas gostaria que respondesse o comentário de nossa amiga Myla que achei bastante pertinente. Um grande abraço e parábens pelo trabalho.

  • Gustavo Gitti

    Thiago, eu falei um pouco sobre isso no texto sobre liberdade, profundidade e presença (parte 3). Você leu?

    E você? O que indicaria para todos nós?

    Abração!!!

  • Thiago

    Olá Gustavo! Tô ficando meio viciado nisso aqui… É muito bom encontrar espaço pra debater sobre assuntos que vão além da balada do sábado a noite, rsss… Parábens mesmo… Deixo uma sugestão sim! Se puder explanar algo sobre “Como aprofundar um relacionamento que está meio raso e rotineiro?” Ficaria satisfeito. Saliento que tô em uma situação parecida. Vale lembrar que no meu caso sexo está fora de cogitação (digamos que “motivos religiosos”). Gostaria de algo que vinhesse do íntimo! Um abração…

  • Rosa

    Bah ! Tô de saco cheio de homens indecisos, quando me deparo com um, já começo a contar a música do Jota Quest: Já foi

    ” Sua falta de vontade, me Desmotivou “

  • leandro

    Texto antigo daqui, mas adorei, esses textos me enchem a mente…

    Parabens, como sempre, um otimo texto….

    “O que era veneno agora é seu alimento.”

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