Pessoas, pessoas, pessoas…

por Gustavo Gitti 12 novembro 2007 7 comentários

DjavanQuais as pessoas que habitam sua solidão? Quanto mais você estiver presente nos outros mais eles estarão dentro de você o tempo todo.

Estava agora há pouco (domingo, 20h) comendo um x-salada e tomando um suco de manga numa padaria de esquina. Acabou a reunião dos coordenadores do centro budista e fui para lá sozinho, pensando nas várias pessoas desconhecidas que foram na prática pela manhã. Todos se juntam, meditam e depois relatam seus maiores obstáculos para estranhos. Se fosse um grupo de terapia, seria bem complicado. Mas ninguém deseja ser analisado. Todo mundo só quer ser acolhido e liberado. Ali não importa o conteúdo (namorada ou chefe, doença ou desemprego). Nosso foco é a estrutura padrão de nossas prisões.

Depois pedi um x-picanha e outro suco: graviola. Lembrei do rosto de cada um, os da prática e os da reunião… Quis ligar para todos, convidá-los para um lanche com suco. Acho que por isso comi tanto. Vai que alguém aparece por ali? E vim pra casa ouvir Djavan.

Aproveito para listar algumas dessas e outras pessoas que me habitam. Histórias ricas que dão sentido umas às outras. Pessoas que participam do que sou sem saber disso (e sem que eu saiba explicar como isso funciona).

  • O consultor, empresário e professor acadêmico sente muito por começar a gerar insights só no fim da vida. Sua juventude está toda nesse esforço em fazer o que pode antes da morte. Fico encantado ouvindo-o falar sobre Joko Beck, Trungpa, Pema Chodron, Alan Wallace.
  • O estudante de psicologia não sabe se acaba o namoro ou não. Como saber o que é melhor para ela? Como praticar compaixão se ele mesmo está sofrendo?
  • A fonoaudióloga se surpreende toda vez que coisas boas nos acontecem sem termos nos esforçado para obtê-las. Eu complemento: as grandes coisas são sempre assim.
  • O professor de história insiste na motivação correta (beneficiar os outros). É ela, diz ele, que alinha toda as nossas ações. Motivação errada, ações não-virtuosas. Motivação correta, ações positivas.
  • A psicóloga junguiana reconhece os limites de Jung e se delicia com os ensinamentos budistas. Olhos brilhando, corpo imóvel. Primeira vez ali, mas não parecia.
  • Outra psicóloga doutora pergunta sobre como manter a liberdade em meio às crises e sucessos. Como não abandonar a prática quando as coisas dão muito errado ou muito certo? Sem saber, ela mesmo responde a seguir.
  • A garota acadêmica envia imagens, letras e sons por email. Fica admirando todas as coisas enquanto anseia por um homem que veja nela a beleza que ela vê no mundo.
  • A andarilha das nuvens não sabe se fica ou não com o namorado maluco. O charme dele é justamente a origem de suas falhas. Amar o charme e as falhas ou abandonar ambos?
  • O designer Peter Parker enfrenta o fim: namoro, emprego, amizade. Para renascer será preciso aceitar a própria morte?
  • O aprendiz de violão engole dúvidas e inquietações a seco. Ele ainda não vê a extrema bondade que carrega dentro da alma. Ele ainda não se vê como eu o vejo…
  • O historiador bancário tropeça na culpa: não fiz isso, deixei de participar, não consegui aquilo… Em breve, os mesmos pés que hesitam começarão a ensaiar passos e gingados. Voz precisa, olhar focado além, mente que atravessa paredes.
  • A linguista formada em Harvard se preocupa por não conseguir estruturar seus insights e comunicá-los de modo ordenado. Mal sabe ela que seu método funciona muito mais do que qualquer estruturação!
  • O clínico geral não aguenta mais dar plantão. Se pudesse escolher, passaria o dia todo tomando Häagen-Dazs. Diante de um lama budista, esse homem cheio de conhecimentos se prostrou como um menino e me fez chorar.
  • O ex-físico está presente sem estar. Apenas sua lembrança já nos abre e orienta. Basta trazer sua imagem à mente para que todas as perguntas surjam auto-respondidas.
  • O menino não sabe quais dos homens no espelho o aguarda no futuro. Sai de casa e deixa os outros decidirem.

Esse último aí sou eu.

Deveríamos sempre nos olhar como um outro tão outro como qualquer outro. Não há “eu” em lugar algum! Pode procurar. Esse que diz “eu” é também um outro.

Algumas dessas pessoas vão passar por aqui e se reconhecer automaticamente. Outras não acessarão esse texto. Todos nós, porém, somos essas pessoas. Somos designers enfrentando mortes, médicos querendo sorvete, garotas buscando olho masculino que vê belezas. Somos essa mente que oscila entre rigidez e amplidão. Somos uma pergunta desde sempre já respondida. Esse corpo que finge tropeçar apenas para ganhar um abraço espontâneo, calado.

Agora Djavan começa “Um Amor Puro” (desse album aqui). Lembro do início do meu namoro… Mas isso é história para outro post.

Dedico cada momento de hoje a todos os que já meditaram comigo em algum domingo de sol ou de chuva.

Blog Widget by LinkWithin

Para transformar nossas relações

Há algum tempo parei de escrever no Não2Não1 e comecei a agir de modo mais coletivo, visando transformações mais efetivas e mais a longo prazo. Para aprofundar nosso desenvolvimento em qualquer âmbito da vida (corpo, mente, relacionamentos, trabalho...), abrimos um espaço que oferece artigos de visão, práticas e treinamentos sugeridos, encontros presenciais e um fórum online com conversas diárias. Você está convidado.



Receba o próximo texto

7 comentários »

  • Lu Carvalho

    Acho que estou muito sensível hoje, seu post me fez chorar. Estou aqui me perguntando quem eu sou.
    às vezes leio o que vc escreve e parece que vc tá falando pra mim… loucura…rsrs
    Abraços

  • B - Me and My Secret Life

    Inspirador, Gu…

  • J@de

    “Como não abandonar a prática quando as coisas dão muito errado ou muito certo?” essa é a resposta que procuro, essa sou eu!!
    Também fiquei de ohos marejados viu??
    Beijos!!

  • myla

    PQP, Gu!

  • Lilian Fernandes

    Lindo esse post, Gustavo! Também tenho meditado com vocês e, embora não tenha exposto muito meus fantasmas, sinto que vocês me entendem. Engraçada essa sensação. Me sinto realmente “acolhida e liberada”.

  • Gustavo Gitti

    Lilian, bom ver você por aqui!!! Essa sensação de acolhimento e liberação eu afirmo por experiência própria, em meus primeiros dias na presença do lama e no CEBB SP.

    Luciana e Jade, estamos sempre no mesmo local. Por isso parece que algo é para nós… É tudo para nós. 😉 Temos aqui dentro o pior e o melhor da humanidade. Tudo disponível, acessível.

    Abração para vocês!

  • Diego

    Você realmente tinha razão ao me responder que não participaria das entrevistas porque não precisava, afinal você está espalhado por esse blog.

    Eu é que não tinha visto 😉

    Ótimo texto, parabéns!

    Abraços!

Deixe seu comentário...

Se for falar de seu relacionamento no comentário, seja breve, não cite nomes e não dê muitos detalhes, caso contrário não será publicado. Lembre-se que não há nenhum terapeuta de plantão.